A saudade é doce, não é?
Pegava na colher, raspava os últimos pedaços de doce de
morango do fundo, barrava a torrada e tinha sempre o mesmo gesto logo de
seguida: enchia o frasco de água meio morna, meio quente e deixava-o no
lava-loiça para ser lavado mais tarde com o prato e o copo e os talheres.
Depois, quando o lavava, pensava sempre que podia dar-lhe alguma utilidade. Uma
jarra para flores pequenas ou um pote para tremoços ou um mealheiro ou. Ia
acumulando frascos de doce vazios no armário e, na verdade, só muito raramente
lhes dava uso. Até ao dia que se lembrou de criar um frasco-de-matar-saudades.
Na cabeça dela, o frasco-de-matar-saudades ia ser um frasco onde pudesse
acumular recadinhos amorosos, palavras ou pensamentos, tudo escrito em pequenas
tiras de papel, que eram depois enroladas com todo o cuidado, como aquelas que
vivem dentro dos bolos chineses da sorte. Quando o frasco estivesse cheio quase
a transbordar, assim como o amor dela por ele, quando não lhe coubesse nem mais
um papel, ela deixava-lhe o frasco na mão para que ele, cada vez que sentisse
saudades daquelas que não se aguentam mais, pudesse retirar um papelinho do
frasco. Ou três, porque há um ditado que diz não há uma sem duas nem duas sem
três. Ou muitos, porque não há regras nem no amor nem nas saudades.
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