segunda-feira, 12 de outubro de 2015

A saudade é doce, não é?

Pegava na colher, raspava os últimos pedaços de doce de morango do fundo, barrava a torrada e tinha sempre o mesmo gesto logo de seguida: enchia o frasco de água meio morna, meio quente e deixava-o no lava-loiça para ser lavado mais tarde com o prato e o copo e os talheres. Depois, quando o lavava, pensava sempre que podia dar-lhe alguma utilidade. Uma jarra para flores pequenas ou um pote para tremoços ou um mealheiro ou. Ia acumulando frascos de doce vazios no armário e, na verdade, só muito raramente lhes dava uso. Até ao dia que se lembrou de criar um frasco-de-matar-saudades. Na cabeça dela, o frasco-de-matar-saudades ia ser um frasco onde pudesse acumular recadinhos amorosos, palavras ou pensamentos, tudo escrito em pequenas tiras de papel, que eram depois enroladas com todo o cuidado, como aquelas que vivem dentro dos bolos chineses da sorte. Quando o frasco estivesse cheio quase a transbordar, assim como o amor dela por ele, quando não lhe coubesse nem mais um papel, ela deixava-lhe o frasco na mão para que ele, cada vez que sentisse saudades daquelas que não se aguentam mais, pudesse retirar um papelinho do frasco. Ou três, porque há um ditado que diz não há uma sem duas nem duas sem três. Ou muitos, porque não há regras nem no amor nem nas saudades. 

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