quinta-feira, 25 de junho de 2015

Despertares

Jovem, o toque que escolhes para o teu despertador diz muito sobre ti. Já pensaste nisso? Não? Então repara: se escolhes um toque agudo e prolongado, tipo sirene dos bombeiros, isso quer dizer que tens um sono profundo. E se tens um sono profundo, o mais certo é trabalhares no duro todos os dias. Ou isso andas na boa vida até tarde, mesmo durante a semana. Se escolhes um toque tipo badalada de sino, isso só pode querer dizer que rezas antes de dormir, o que significa que és uma pessoa religiosa. Ou és um jovem pecador que sente necessidade de se redimir. Se escolhes um toque tipo ambulância do INEM a engolir pirolitos, então precisas de emoção e aventura na tua vida. De tal maneira que te obrigas a acordar em modo gato mergulhado à força numa banheira de água fria. Depois há também quem escolha aqueles toques de despertador tipo aviso de bombardeamento ininterrupto. Toca-a-ir-tudo-para-o-abrigo-e-é-já. Estas pessoas normalmente enfiam a cabeça debaixo dos lençóis. São preguiçosos por natureza. E agora isto dava pano para mangas, mas a mim o que me lixa mesmo é desligar o despertador e acordar meia hora depois sem me lembrar de tê-lo desligado. Fico logo a pensar que durmo com fantasmas no quarto.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Ilusões

Ela a olhar a linha do horizonte.
Ele entre ela e a linha do horizonte.
Ela a olhar a linha do horizonte.
Ele a sorrir, todo contente da vida.
Ela a olhar a linha do horizonte.
Ele a ir ao encontro dela, todo contente da vida.
Ela a olhar a linha do horizonte.
Ele a dirigir-lhe a palavra, todo contente da vida.
Ela a olhar a linha do horizonte.
Ele a dirigir-lhe a palavra, todo contente da vida.
Ela a olhar para a linha do horizonte.
Ele a dirigir-lhe a palavra, todo contente da vida.
Ela a levantar-se da cadeira e a mandá-lo à m*e*r*d*a. Assim com todas as letras.

Há quem, simplesmente, não tenha noção do que é a linha do horizonte.

terça-feira, 16 de junho de 2015

Mini me

As pessoas não sabem, mas todos nós temos uma vida paralela. Uma vida que é em tudo igual à nossa, embora exista à escala reduzida. Ou seja, somos nós, mas somos todos mini. O ser mais alto nessa nossa vida paralela não tem mais do que dois centímetros de altura, imaginem. É isso. O nosso mini ser vive numa mini casa. Todos os dias, acorda numa mini cama, esfrega os mini olhos, toma banho numa mini banheira, com um mini chuveiro, bebe o leite em mini canecas, dirige-se ao trabalho num mini automóvel, trabalha numa mini secretária, com um mini computador. Claro que os nossos amigos são todos super, mas mini. E atenção que apesar de tudo ser mini, nem pensar que existem palavras terminadas em inho nesta mini vida paralela. Pedir um cafezinho está totalmente fora de questão. Na nossa vida paralela onde todos somos mini e onde tudo é mini, não há estas mariquices. O engraçado é que as miúdas usam todas mini saia.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Um bigo

A Festa da Insignificância, Milan Kundera

Sim, se um homem (ou uma época) vê o centro da sedução feminina nas coxas, acontece o quê? Acontece que o cérebro desse mesmo homem é do tamanho de uma ervilha. E toda a gente sabe que uma ervilha, além de ter a perícia de rebolar de forma quase perfeita, e por muito que tenha um sabor agradável (para alguns), é pequena. Tão pequena que cabe entre o indicador e o polegar. Se cozida pode muito bem ser esmagada entre ambos. O cérebro de um homem devia ser grande ao ponto de saber reconhecer que o centro da sedução feminina é uma mulher inteira, por fora e por dentro. Mas, sim, um umbigo à espreita pode ser sexy. Especialmente quando esse umbigo sabe fazer aquele pestanejar inocente. E sexy.